Opiário
Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro
É antes do ópio que a minh' alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.
Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
Já não encontro a mola pra adaptar-me.
Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.
É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.
(excerto)
Linhas de Leitura
«Volto à Europa descontente...»
«Por isso eu torno ópio. É um remédio.»
«Qu' ria outro ópio mais forte...»
«Trabalhei para ter só o cansaço...»
«E a minha mágoa de viver persiste.»
«E ver passar a vida faz-me tédio.»
«Não tenho personalidade alguma.»
«Deixe-me estar aqui, nesta cadeira, / Até virem meter-me no caixão.»
Recursos expressivos
A atitude irónica ou sarcástica:
«Nasci pra mandarim de condição, / Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.»
«Quantos sob a casaca característica / Não terão como eu horror à vida?»
O vocabulário entre precioso e banal:
«Em paradoxo e incompetência astral.»
«...os próprios gozos gânglios do meu mal.»
«O comissário de bordo é velhaco! Viu-me coa sueca...»
«Que um raio as parta!»
As imagens e os símbolos:
«Um Oriente ao Oriente do Oriente.»
«...vincos de ouro...»
«...minha vida, cânfora na aurora.»
«O absurdo, como uma flor da tal índia...»
É antes do ópio que a minh' alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.
Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
Já não encontro a mola pra adaptar-me.
Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.
É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.
(excerto)
Linhas de Leitura
- A nostalgia do além, sugerida pelas referências ao Oriente, traduzem a saturação ou a incapacidade de integração na civilização ocidental e remetem o sujeito poético para um estado de divagação alienante e um pessimismo desistente.
«Volto à Europa descontente...»
- A evasão através do sonho, da evocação de espaços irreais ou inexistentes, é alternada pela procura de sensações novas e extremas que só a embriaguez do ópio pode proporcionar. No entanto, a falta de vontade e de energia interior parecem anular qualquer solução que este pudesse representar.
«Por isso eu torno ópio. É um remédio.»
«Qu' ria outro ópio mais forte...»
- O tédio, o cansaço, a apatia, a descrença e a morbidez do sujeito poético traduzem a sua incapacidade de viver a vida, a inércia perante uma existência anuladora e monótona.
«Trabalhei para ter só o cansaço...»
«E a minha mágoa de viver persiste.»
«E ver passar a vida faz-me tédio.»
«Não tenho personalidade alguma.»
- A náusea e a demissão da vida, que marcam a poesia decadentista, representam também o assumir de um fracasso pessoal.
«Deixe-me estar aqui, nesta cadeira, / Até virem meter-me no caixão.»
Recursos expressivos
A atitude irónica ou sarcástica:
«Nasci pra mandarim de condição, / Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.»
«Quantos sob a casaca característica / Não terão como eu horror à vida?»
O vocabulário entre precioso e banal:
«Em paradoxo e incompetência astral.»
«...os próprios gozos gânglios do meu mal.»
«O comissário de bordo é velhaco! Viu-me coa sueca...»
«Que um raio as parta!»
As imagens e os símbolos:
«Um Oriente ao Oriente do Oriente.»
«...vincos de ouro...»
«...minha vida, cânfora na aurora.»
«O absurdo, como uma flor da tal índia...»